As vontades
Lygia Bojunga Nunes
Eu tenho que achar um lugar pra esconder minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço da aula de matemática, comprar um sapato novo que eu não aguento mais o meu. Vontade assim todo mundo pode ver, não tô ligando a mínima. Mas as outras – as três que de repente vão crescendo e engordando toda a
vida – ah, essas eu não quero mais mostrar. De jeito nenhum.
Já fiz tudo pra me livrar delas. Adiantou? Hmm! É só me distrair um pouco e uma aparece logo. Ontem mesmo eu tava jantando e de repente pensei: puxa vida, falta tanto ano pra eu ser grande. Pronto: a vontade de crescer
desatou a engordar, tive que sair correndo pra ninguém ver.
Faz tempo que eu tenho vontade de ser grande e de ser homem. Mas foi só no mês passado que a vontade de escrever deu pra crescer também. A coisa começou assim:
Um dia fiquei pensando o que é que ia ser mais tarde. Resolvi que ia ser escritora. Então já fui fingindo que era. Só pra treinar. Comecei escrevendo umas cartas.
Prezado André
Ando querendo bater papo. Mas ninguém tá a fim.
Eles dizem que não têm tempo. Mas ficam assistindo televisão. Queria te contar minha
vida. Dá pé?
Um abraço da Raquel.
No outro dia quando eu fui botar o sapato, achei lá dentro a resposta:
Parecia até telegrama, que a gente escreve bem curtinho pra não custar muito caro. Mas não liguei. Escrevi de novo:
Querido André
Quando eu nasci minhas duas irmãs e meu irmão já tinham mais de dez anos. Fico achando que é por isso que ninguém aqui em casa tem paciência comigo: todo mundo já é grande há muito tempo, menos eu. Não sei quantas vezes eu ouvi minhas irmãs dizendo: "A Raquel nasceu quando a mamãe já não tinha mais condição de ter filho".
(...)
Fiquei pensando: mas se ela não queria mais ter filho por que é que eu nasci? Pensei nisso demais, sabe? E acabei achando que a gente só devia nascer quando a mãe da
gente quer ver a gente nascendo. Você não acha, não?
Raquel
Dois dias depois chegou a resposta. Estava escrita bem no cantinho do papel que embrulhava o pão:
Acho André.
Não gostei de receber de novo telegrama em vez de carta. Mas assim mesmo continuei contando minha vida pra ele (...)
Proposta para uma aula de leitura e interpretação do texto “As vontades” de Lygia Bojunga Nunes
O Trabalho de compreensão desenvolvido a partir desse texto possibilita momentos de integração da turma, estabelecendo metas para o ano letivo. Considerando que o novo ano letivo pode trazer novos alunos e professores ao grupo, o trabalho com socialização ajudará na formação de vínculos e propiciará um clima favorável ao processo de aprendizagem.
A observação e a análise do texto permitem um trabalho com dois planos narrativos: um mais geral, quando Raquel é narradora, e outro secundário, quando Raquel é personagem.
Esse texto favorece ainda o trabalho de análise dos gêneros carta e bilhete e de distinção entre eles, proporcionando o desenvolvimento da argumentação oral e da escrita, devido à presença de assuntos polêmicos.
Compreender a linguagem figurada; propiciar um momento de reflexão sobre as aspirações da turma; estimular a expressão pictórica e a capacidade de selecionar ideias; aproximar o conteúdo do texto á realidade do aluno.
Ampliar as informações do texto com base na visão de mundo do aluno.
Identificar as informações que possibilitem inferir o significado global do texto.
Sugestões:
· Questionar com os alunos sobre o tema do texto;
· Estimular os alunos a refletir sobre o tema e a antecipar fatos do texto;
· Organizem um painel com as vontades da classe que mais crescem e engordam.
· Escolham três vontades para representar os desejos da classe para o ano escolar. Em seguida registrem em um cartaz, essas vontades.
· Conversar com os alunos, buscando a linguagem figurada usada no texto.
Faça questionamentos sobre o texto como:
Aproximadamente, qual a idade de Raquel?
Como você chegou a essa conclusão?
Raquel utiliza muitas expressões da língua informal , do dia-a-dia,expressões que usamos em conversas com amigos e pessoas íntimas.
Reescrevam as expressões, utilizando a forma gramaticalmente correta.
a) "... não tô ligando..."
"Ontem mesmo eu tava jantando..."
"... que a gente escreve bem curtinho pra não custar muito caro."
Reescrever a passagem acima, substituindo a expressão a gente pelo pronome nós.
Ray Costa, 09/06/12.
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